Donos do Cocar: pesquisa de oficial de justiça sobre invisibilidade de indígenas em contexto urbano ganha repercussão
1/02/2023 | 18:30 - matéria visualizada 288 vezes
O trabalho observa o processo de transmissão cultural entre as gerações e o vínculo entre a etnicidade e as técnicas para produção de artesanato utilizadas pelos povos indígenas Guajajara, no contexto urbano de Imperatriz.
A defesa da dissertação de mestrado ocorreu no dia 22 de dezembro passado. No início desta semana, após a explosão da crise humanitária que se abateu sobre o povo Yanomami, Clayton dos Santos foi procurado por emissoras de TV.
Intitulada Donos do Cocar, a pesquisa observa que os indígenas em contexto urbano em Imperatriz foram desemparados pelo Poder Público, inclusive, pelos órgãos indigenistas federais, como a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI). A produção de artesanato tornou-se a principal fonte de renda dessas famílias.


O Portal do Sindjus-MA conversou, por meio de aplicativo de mensagens, com Clayton dos Santos sobre a situação dessas pessoas e a necessidade de manter suas tradições, sua ancestralidade. Confira a entrevista:
O que atraiu o seu olhar para essa comunidade indígena deslocada para o contexto urbano de Imperatriz?
A partir das minhas diligências, como oficial de justiça, em um plantão judicial fui cumprir uma medida protetiva de urgência no local [Parque Amazonas, onde vivem as famílias indígenas], em outubro de 2020. Ao chegar naquele aldeamento urbano, que confesso que não sabia da existência, até aquele momento, fui impactado pela situação de vulnerabilidade social em que eles viviam já há 20 anos! Ao mesmo tempo, fui percebendo o sentimento de solidariedade e acolhimento dos membros com a ofendida [jovem indígena que sofreu agressão].
A aldeia inteira fez um círculo ao meu redor enquanto eu lia em voz alta a determinação judicial. Usualmente, em casos de violência doméstica, as pessoas ainda são levadas pela máxima perversa “de não meter a colher”. Mas, ali, os Guajajara em contexto urbano mostraram algo que de certa forma mexeu comigo: aquele sentimento de proteção... A agressão a uma jovem era uma agressão a todos eles.
No período ainda estávamos com muitos casos de contaminação por covid-19 e resolvi fazer um projeto para seleção do mestrado em Sociologia pela UFMA (PPGS), abordando o impacto da Pandemia sobre aquela comunidade, mas, após uma convivência maior do trabalho em campo, o foco da pesquisa foi para o diálogo entre a sociologia urbana e a antropologia da técnica. Os indígenas em contexto urbano produzindo artesanato, mas usando o repertório de possibilidades que a cidade lhes oferece para a seleção de materiais e produção desses adornos.
Por que, na sua opinião, os indígenas, via de regra, recebem o desprezo e muitas vezes a repulsa da sociedade, dos não indígenas? Por que seus direitos são tão negligenciados?
O escritor e liderança indígena Ailton Krenak diz que os povos originários estão em guerra desde o ano de 1.500. Os estigmas e racismo que esses povos recebem é algo histórico e estrutural em nosso país. No tocante aos indígenas em contexto urbano, muitas das vezes a invisibilidade de sua cultura, de suas riquezas, de suas lutas e necessidades se dá pela falta de conhecimento, empatia por esses atores sociais que também construíram nossas cidades.
Algumas pessoas ainda os veem como exóticos, o “selvagem na selva de pedras”. Outros, movidos por discursos preconceituosos, acreditam que pelo fato de estarem nos centros urbanos, eles perderam a sua etnicidade, deixam de ser indígenas por usar um smartphone por exemplo.
Sua pesquisa observa a transmissão da cultura desses povos geração após geração. Nesse contexto urbano esse processo fica extremamente ameaçado, não?
Sim. Em um dos desdobramentos da pesquisa, acompanhei o grupo em uma audiência pública na Câmera de Vereadores de Imperatriz, em abril passado. Uma das reivindicações do Cacique ao usar a tribuna foi a construção de uma escola bilíngue naquela aldeia urbana. A língua nativa dos Guajajara em contexto urbano, hoje, praticamente, só é falada pelos idosos. A linguagem, tal como o artesanato, são expressões culturais ancestrais daquele povo, transmitidas entre as gerações, mas que corre o risco de ser interrompida.
Não poderíamos deixar de falar sobre a situação dos Yanomami, desse massacre. Como o senhor se posiciona diante desses acontecimentos horrendos que foram amplamente noticiados no Brasil e no mundo?
Há muitas décadas as lideranças indígenas e os ambientalistas denunciam um projeto de extermínio dos nossos povos originários e de ataques à Amazônia. Infelizmente, a gestão federal passada priorizou os milionários interesses do garimpo ilegal e da grilagem de terra.
Esperamos que, com a criação do Ministério dos Povos Originários, chefiado pela maranhense Sônia do Povo Guajajara, e com a posse da “bancada do Cocar”, essas imagens chocantes dessa crise humanitária jamais se repitam em nosso território. Em cada criança indígena que falece por desnutrição, morre também a nossa humanidade.